ROBERTO NOBRE
- UM HOMEM DE CINEMA José
de Matos-Cruz
Figura marcante da arte e da cultura
portuguesas, Roberto Nobre (S. Brás de Alportel 1903, Lisboa 1969) assumiu,
como cineasta e sobretudo escritor, na vertente crítica e analítica, uma
autoridade indiscutível, pela combatividade doutrinária e pelo vigor teórico. A sua actividade foi particularmente
significativa entre os primórdios do sonoro e o advento do cine-clubismo, de
modo especial em jornais ou em revistas. É ainda de destacar uma intervenção
nas Terças-Feiras Clássicas do cinema Tivoli, em Lisboa (anos ’40-‘50). Enquanto caricaturista, Roberto
Nobre retratou os seus pares no cinema – como o pioneiro Aurélio da Paz dos
Reis, os actores Adelina Abranches e Duarte Silva, ou Reinaldo Ferreira,
Nascimento Fernandes, Jorge Brum do Canto e Manoel de Oliveira. O apelo criativo das imagens em
movimento começara cedo para Roberto Nobre – que, por volta de 1920, era
assistente Albert Durot; possuía, aliás, «uma sumária câmara Ernneman para as
minhas experiências». Trabalhou, depois, com Artur Costa de Macedo. Entre 1923 e 1925, Roberto Nobre
realizou, em Olhão, Charlotin e Clarinha, uma farsa cómica em curta
metragem, que apenas foi revelada em 1972, no Festival de Santarém. Embora
despretensiosa, sobressai uma carga expressiva de total irreverência. De salientar, por outro lado, a alta
qualidade da fotografia e o partido tirado da movimentação perante a câmara.
Surpreendendo um certo exotismo, a sátira subtil aos tiques sociais em voga, um
deliberado gozo ao melodrama e ao falacioso romantismo. Quanto ao legado bibliográfico de
Roberto Nobre, destacam-se Horizontes de Cinema (1939, 1971) – «alguns
aspectos essenciais da doutrina»; e Singularidades do Cinema Português (1964)
– um panorama histórico de abordagem pela «opinião individual». O pensamento desassombrado e
precursor de Roberto Nobre sobressai em Crítica de Cinema, capítulo do Anuário
Cinematográfico Português (1946): «Entre as críticas das várias Artes é a
crítica de cinema aquela que, em geral, vejo fazer mais ligeiramente, e ela
afigura-se-me tanto ou mais complexa que as outras. Não é isto apenas pelas
específicas qualidades intelectuais do crítico, mas também pelas dificuldades
práticas do próprio acto de crítica. «Não basta
ser sincero e impessoal, e ter uma cultura genérica. É necessário um amplo
conhecimento material da “coisa” cinematográfica, complexa, multimoda e
volúvel. Além da cultura artística, ela obriga a uma prolixa variedade de
conhecimentos técnicos, verdadeiros segredos da alquimia dos estúdios e
laboratórios, abrangendo especializações tão restritas que raros podem, em
consciência, afirmar dominá-las a todas.». |